“Cadê o agudo?” e “Quanta nota!” | Celebração do álbum ‘Éter’ e uma conversa com a banda Scalene, que se apresenta neste final de semana em São Paulo
Reflexões sobre a última década, mercado da música e apresentação que encerra hiato de dois anos do grupo de Brasília

A banda Scalene, composta por Gustavo Bertoni (vocal e guitarra), Tomás Bertoni (guitarra) e Lucas Furtado (baixo), apresenta-se no Cine Joia neste sábado, 12. O show comemora dez anos do álbum “Éter”, lançado em 2015, período especial para o grupo com a conquista do Grammy, a participação no Lollapalooza e no programa Superstar da Globo. O guitarrista Tomás Bertoni concedeu entrevista exclusiva ao Visite São Paulo sobre a relação atual com as canções do disco, abordou a energia da juventude presente em “Éter” e a nova perspectiva musical da banda ao revisitá-lo. Os ingressos estão à venda para a celebração.
Entrevista por Fabio Zelenski:

Visite São Paulo: Passados dez anos do lançamento do álbum Éter, qual é a relação de vocês com as canções deste disco?
Tomás Bertoni: O Éter é nosso segundo disco full. Ele veio depois do Real/Surreal, de 2013. Nesse, o Gustavo (vocalista e irmão) tinha 18 para 19 anos, os demais tínhamos 21. Era muita vontade de explorar muita coisa. Essa vontade nunca deixou de existir, só passou a ser mais bem organizada para o então novo álbum. No Real/Surreal, a gente encontrou uma forma de amarrar todas essas vontades, conceitualmente, mesmo que abordando dualidades. Tem o lado real e o lado surreal; o lado mais concreto e o mais abstrato. O terreno com o onírico. Tanto sonoramente quanto as letras acompanharam esse movimento. O Éter, em seguida, é o primeiro disco mais conciso, com 12 faixas. Também é o primeiro disco que a gente realmente começa a explorar mais da influência da música brasileira, mesmo sendo esse um conceito bem aberto sobre o que é música brasileira. Harmonias, melodias e ritmos que remetem de alguma forma e que interseccionam entre si. Com ele, fomos premiados com o Grammy de melhor álbum de rock de língua portuguesa. 2015 foi um ano especial, foi a primeira vez que tocamos no Lollapalooza, participamos no programa da Globo Superstar. A gente “estourou”, para usar o termo clichê. Assim, creio que não seja só uma celebração do disco, mas também uma celebração do ano de 2015.
Visite São Paulo: E musicalmente, como é revisitar as canções? Muita coisa mudou nos últimos dez anos, seja no mundo, seja internamente, seja como músicos…
Tomás Bertoni: No primeiro ensaio, o baixista (Lucas Furtado), ao acabar de tocar uma música, brincou: “Quanta nota!”. Coisas da juventude. Na época, a gente tinha meio que nada a perder. Todo mundo fazia faculdade, morávamos em Brasília. Crescemos com uma vida de certa forma privilegiada. Não sei nem se tínhamos essa consciência, mas nosso motor era acreditar em nós mesmos assim, de que éramos capazes de sermos tão bons quanto os melhores artistas que admirávamos. Quando você vai envelhecendo, vai amadurecendo, você ainda pode acreditar em tudo isso, mas de uma forma um pouco mais madura. Assim, revisitar as canções está sendo legal, porque mais da metade desse disco não tocávamos ao vivo desde 2017. Está sendo bom revisitar e tocar com as mãos e com as cabeças de hoje.

Visite São Paulo: Nessa revisita, vocês estão mudando alguma coisa de melodia, de notas, acordes; ou estão tentando reproduzir as músicas como elas são na gravação de 2015?
Tomás Bertoni: Os timbres estão mais modernos. Na época, eu tinha algumas coisas que, hoje, me fazem pensar: “Meu Deus, cadê o agudo?”. Então, acho que vão ter alguns pontos mais bem resolvidos. Mas haverá canções exatamente como no disco, pensando no público que gosta muito do que já se acostumaram. Devemos prolongar o final de uma música, fazer uma interação com o público no meio de outra, coisas nesse sentido pra dar um tempero diferente no show ao mesmo tempo preservando as músicas como nossos fãs estão acostumados a ouvi-las. E no show haverá músicas de outros álbuns também.
Visite São Paulo: Qual a ligação de vocês com todo o conceito e história que envolve em ser uma “Banda de Rock de Brasília”?
Tomás Bertoni: Esse conceito não envolve só o rock. Em Brasília, há o forte chorinho e a música instrumental, com o Clube do Choro. Tem a cena do teatro, da comédia… Brasília é uma cidade muito nova ainda, então o que surgiu culturalmente nas últimas décadas, surgiu de uma forma muito forte, principalmente por pessoas que nasceram lá ou se mudaram muito pequenas. Criaram a identidade cultural da cidade. E a cultura ajuda a sociedade a entender como uma só e como parte de um todo.
Mas, sonoramente, eu acho que a Scalene é outra pegada. Não tem como não se influenciar de alguma forma musicalmente, como com as poesias do Renato Russo, mas eu acho que as nossas influências são mais diretamente com a cidade em si. Uma cidade única. Mas, achamos muito bom fazer parte desse legado. Há o punk da Legião Urbana e Plebe Rude, o rock pesado dos Raimundos, reggae do Natiruts, ska dos Móveis Coloniais de Acaju, e tem a Scalene com rock alternativo. Gosto de fazer parte dessa história, sem ser uma cópia dessas grandes bandas.

Visite São Paulo: São poucas as bandas que conseguem circular por diversos estilos sem perder a identidade, ou mesmo sem perder público pelo caminho. Mas, no decorrer da história dos lançamentos dos álbuns, a Scalene conseguiu isso. Principalmente com o álbum Respiro (2019), que passeia por diversos estilos. O que nos faz pensar quais serão os próximos passos.
Tomás Bertoni: A gente sempre ouviu de tudo, musicalmente. Antes de começar a escutar rock, meu irmão (Gustavo Bertoni) e eu, jogando basquete, escutávamos muito rap. Consumi muito eletrônico uma época. E a gente descobre que música é um universo tão grande, de tantas possibilidades com as mesmas 12 notas, que você fica querendo explorar e se desafiar. Meu irmão tem um projeto solo que também é uma outra coisa diferente. Quando rola uma quebra, por vezes acontece quando se contrata um produtor diferente. Hoje, muitos artistas não compõem mais suas próprias músicas, e canções de sucesso são feitas por dezenas de criadores, o que pode perder a personalidade e ficar genérica. Eu acho que se a gente continuasse para sempre numa vibe do Respiro (2019), talvez ficasse estranho. Em seguida, já voltamos para uma sonoridade roqueira, mas incorporando sintetizadores e o eletrônico. É como se o álbum Labirinto (2022) viesse do Magnetite (2017), e Respiro foi literalmente um respiro entre um momento e outro do rock pauleira.

Visite São Paulo: Após Labirinto (2022), vocês fazem uma pausa, um hiato. Só que no meio desse hiato, vocês fazem a trilha sonora do filme Obscuro (2023). Que inclusive, é um filme que fala de dualidade, de conflitos, depressão. Como foi essa participação?
Tomás Bertoni: A volta da pandemia foi muito difícil para todo mundo. E o mercado da música foi um dos mais afetados. De forma mais pragmática, as passagens de avião estavam mais caras, todo mundo estava um pouco diferente, traumatizado… com o lançamento de Labirinto, voltamos para a estrada. Mas estávamos sentindo algo estranho. Eu com o filho pequeno, o Lucas com problema de saúde. E todos nós sempre tivemos outros projetos. Eu fazia um festival em Brasília, o Gustavo com projeto solo, o Lucas trabalhava em uma empresa de marketing de música… a gente começou a sacar que no pós pandemia precisaríamos rever as coisas. Na verdade, o funcionamento de uma banda é como o de qualquer empresa. Quando está funcionando e em andamento, você cria um modus operandi, no qual fazer pequenas alterações é fácil, mas fazer uma adaptação estrutural é difícil. Há contrato com gravadora, você tem contrato com empresário, tem que gerar uma grana por mês e manter um volume de trabalho, equipe. Queríamos repaginar a quantidade de shows que a gente fazia, frequência de lançamentos… nosso contrato com a gravadora estava para terminar em 2023, então Labirinto seria o último disco, e queríamos negociar um novo contrato, com calma, sem ser a toque de caixa. Não queríamos renovar um contrato na pressa e ficarmos presos anos e anos em uma situação desconfortável – e isso já aconteceu com a gente. Em 2015, assinamos um contrato maravilhoso, mas em 2017, o contrato era terrível, muito ruim. Aprendemos com isso na volta da pandemia. Então foi melhor fazer esse hiato e cuidar da vida, focar nos outros projetos. Aí que surge o filme Obscuro: Cortina de Fogo, de um amigo nosso, Matthew Magrath (Cinemagrath), que hoje é influencer, mas já foi estagiário da Scalene, e depois fotógrafo. Na pandemia, ele começou a fazer lives e hoje em dia tem mais seguidores que a gente. E ele fez esse filme. Um filme média-metragem e nos convidou para fazer a trilha. Deu um gás na banda essa oportunidade de se autoproduzir. Ficaram duas músicas com letra e as demais instrumentais. Então foi uma forma de movimentar e de explorar novas frentes.
Visite São Pauloi: Essa volta é para ficar?
Tomás Bertoni: Estamos revisitando Éter, celebrando 2015. Vamos fazer alguns shows, em uma turnê mais limitada até agosto. Após, já temos planos e novidades que revelaremos quando puder.
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